quarta-feira, 23 de fevereiro de 2005

Mais à esquerda? Quanto?

Luís Filipe Menezes avança para a liderança do PSD: "O presidente da Câmara de Gaia defende a restituição do partido às bases, afirma que é preciso recentrar o PSD à esquerda (...)"

O que é que ele quer dizer com isto? Recentrar o PSD à esquerda? Isso quer dizer posicionar-se à direita mas mais perto do centro ou o PSD deve mesmo passar a ser um partido de centro-esquerda? Não percebo nada. Este género de coisas deixa as pessoas confusas. Mas isto é sintomático do nosso sistema político...ou mesmo da sociedade. Passo a explicar. Os partidos adoptam nomes em função da sua génese. No entanto, o seu percurso ao longo da História não corresponde a um posicionamento estável num determinado quadrante político, mas sim a um percurso errático que varia com as pessoas que constituem o partido ao longo do tempo. Para juntar à complexidade da questão, as próprias pessoas mudam o seu posicionamento político ao longo do tempo. Como são as pessoas que definem o rumo dos partidos, é natural que estes não sejam estáticos. É como deixar um veleiro à deriva em zona de vento incerto. Não se sabe onde vai parar.

Tentanto reconstituir um percurso político. Um jovem junta-se a uma jota qualquer. Talvez por influência dos pais, ou dos amigos que já lá estão, ou dedicou-se um pouco a ler sobre ciência política e achou que determinado partido era o que melhor defendia as suas ideias / interpretações da melhor organização social e / ou económica para o seu país em geral e para o mundo em particular. Nos tempos iniciais na jota, vai-lhe sendo mostrado que nem todos os seus ideais podem ser postos em prática e alguns já o foram mas fracassaram. Outros destes ideais não estão bem de acordo com o posicionamento actual do partido. Alguns destes jovens fartam-se ou perdem o fervor político ou arranjam namorada ou deixam de ter tempo, mas outros seguem o seu percurso dentro do partido. Há uns que não passam da cepa torta porque não são muito inteligentes, ou são mas não sabem entrar no esquema, mas os outros alinham com uma das muitas correntes que constituem o partido. O jovem vai-se tornando adulto, quem sabe mais cínico, vai abandonando alguns dos ideais mais radicais, mas se não for um carneirinho há-de ter uma perspectiva própria das coisas. Juntou-se a uma destas correntes que se empurram dentro do partido, movem influências, fazem contactos, tentam agregar membros que já têm o seu peso e os podem ajudar a subir mais lá dentro. Entretanto o nosso jovem faz bem o jogo dentro do partido, vai-se tornando notado, influente, consegue motivar e orientar outros membros do partido, fazer ver o seu valor, em suma, vai aumentando o seu poder dentro do partido. Algum barão apercebe-se dele e apadrinha-o. Nesta altura as suas próprias ideias ficam em suspenso. O que importa é apoiar o barão, que lhe vai abrindo portas. Por osmose, o jovem, hoje já não tão jovem, absorve poder, torna-se cada vez maior. O barão desaparece. Obteve um cargo no estrangeiro, reformou-se, morreu, qualquer coisa, mas desapareceu do partido e deixou um lugar vago. O nosso herói e os seus correlegionários multiplicam-se em contactos, arrebanham apoios, fazem promessas internas e quando se sente confortável com o apoio dentro do partido, avança para uma candidatura. Eventualmente ganha e fica à frente do partido. Ao longo de todo este percurso, o novo líder evoluiu em termos ideológicos, mas nunca abandonou uma perspectiva própria do que deve ser o caminho para o país. Esse caminho não é necessariamente o preconizado pelos anteriores líderes e o partido muda de orientação. Agora o partido é mais à esquerda / direita, mais totalitário / libertário, mas não é certamente o mesmo que era quando o jovem político se lhe juntou.

Nota: Eu sei que esta descrição da vida dentro do partido está muito simplista, mas serve apenas para ilustrar a mudança de orientação dos partidos políticos.

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