quinta-feira, 18 de julho de 2019

Um whistleblower é outra coisa

Relativamente ao Rui Pinto, o pirata informático, a ex-deputada do Parlamento Europeu Ana Gomes tem estado a fazer uma grande campanha porque ele terá obtido provas de crimes fiscais cometidos por um conjunto de indivíduos e entidades e tem estado a colaborar com entidades judiciais e policiais de outros países e que já terão sido recuperados milhões de euros através de multas e processos decorrentes de informações partilhadas pelo pirata informático. Segundo Ana Gomes, o Rui Pinto será um whistleblower. Só que, tanto quanto sei, pelo menos historicamente, um whistleblower é um membro ou ex-membro de uma organização que por uma razão ou por outra, tendo tido acesso à informação dessa organização, decide denunciar actos não éticos, imorais ou ilegais da responsabilidade dessa organização ou de pessoas dentro dessa organização. No entanto esse não é o caso de Rui Pinto, que nunca trabalhou para essas organizações e que, para as obter as, acedeu ilegalmente aos sistemas informáticos e bases de dados dessas organizações. O que é crime. E não o fez seguramente com a intenção de encontrar informação sobre actos ilegais dessas organizações para poder levá-las à justiça. Por exemplo, segundo Rui Pinto, a problema que teve com um banco das Ilhas Caimão não passou de um diferendo. Mas quem é que acredita nisto? Quem é que tem diferendos com bancos das Ilhas Caimão sem ser cliente dos mesmos? Não terá Rui Pinto pirateado os sistemas desse banco, chantageado o mesmo e chegado a um acordo sobre o qual o banco não pode obviamente falar? Parece-me uma dúvida legítima e faz-me confusão que seja possível entrevistar o Rui Pinto e ficar satisfeito com a resposta que ele deu. Mas, hipoteticamente, vamos aceitar o pressuposto de que o Rui Pinto entrou ilegalmente nesses sistemas informáticos só, e apenas, com o objectivo de encontrar informações sobre crimes praticados pelas referidas entidades. Para aceitarmos essa prática por parte de um privado, por maioria de razão, teríamos de aceitar que as autoridades policiais pudessem fazer o mesmo sem um mandato judicial. Mas isso não está em cima da mesa. Porque não pode estar. Seria deitar fora todo o sistema de liberdades e garantias que damos por certo numa sociedade de direito. É claro que, havendo crimes para expôr, as águas podem ficar um pouco mais turvas. Mas há que perceber que existe outra face da moeda. Se aceitarmos que os Ruis Pintos da vida andem a navegar pelos sistemas informáticos deste e daquele porque toda a gente acha que são corruptos ou criminosos, então teremos de aceitar que os mesmos Ruis Pintos o façam com os nossos correios electrónicos e ficheiros privados porque, afinal, qualquer um de nós pode ser criminoso. Mostrar citação

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