terça-feira, 21 de junho de 2005

Vida submarina

Fizeram o caminho inverso ao dos seus antepassados. À medida que permaneciam mais e mais tempo no mar, foram adaptando o próprio corpo à vida submarina. O processo foi gradual mas incomparavelmente mais rápido que o penoso caminho da evolução. Inicialmente limitaram-se a construir cidades flutuantes. Estas mais não eram que reproduções do mundo da terra firme. As cidades tinham a capacidade de submergir para evitar grandes tempestades e eram construídas em zonas em que o fundo submarino não se encontrava a demasiada profundidade.
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As primeiras cidades eram muito dependentes do comércio com os continentes, de quem obtinham parte dos alimentos, energia e bens de consumo. As cidades flutuantes foram evoluindo para montanhas submarinas, bem ancoradas ao fundo marinho e com um contacto mais completo com o mundo submarino. Os seus habitantes foram-se adaptando a uma vivência submarina mais e mais prolongada. Para além das actividades que traziam mais benefícios se executadas debaixo de água, como a piscicultura, as quintas de algas, a produção de ostras para pérolas. Um número cada vez maior de actividades demonstrava trazer mais benefícios debaixo de água que à superfície. As actividades desportivas beneficiavam de uma movimentação verdadeiramente tridimensional, a espeleologia submarina era cada vez mais procurada. As cidades submarinas foram-se autonomizando em relação aos continentes. A produção de energia passou a ser mais baseada nas correntes submarinas e nos moinhos eólicos diminuindo desta forma o comércio energético. A evolução das técnicas de produção de algas e de piscicultura levou também a uma menor dependência dos continentes. Por outro lado, décadas de consumo incremental de bens alimentares produzidos debaixo de água, reduziram o apetite em relação à comida produzida ao ar livre. As próprias cidades foram sendo transformadas, adquirindo zonas submersas onde era possível desempenhar tarefas mais organizadas debaixo de água.


A medicina e a cirurgia foram encontrando soluções para as necessidades do dia a dia. As primeiras soluções eram apenas tecnológicas, fornecendo dispositivos e meios de transporte mais eficientes e práticos. Mas à medida que a vivência submarina se tornava mais natural que a vivência fora de água, a necessidade de soluções mais definitivas foi surgindo de uma forma natural. As primeiras alterações morfológicas eram simples. A criação de membranas interdigitais facilitava mergulhos de curta duração e a baixa profundidade, evitando o uso de barbatanas.


Para mergulhos a maiores profundidades, os sistemas de respiração utilizando líquidos ricos em oxigénio era já normais mas implicavam algum grau de desconforto e mesmo sofrimento durante as transições. Na fase em que se iniciava a introdução de líquido nos pulmões, os mergulhadores sentiam uma grande angústia, enquanto que na fase de transição inversa o processo de expulsão do líquido implicava vómitos e um grande desconforto. Bastou que um único indivíduo desse o passo de adoptar em definitivo a respiração por líquido para que logo uma multidão o seguisse. Parte das instalações submarinas foram alteradas para servirem a função de casernas e posteriormente de casas familiares. Esta alteração no modo de vida levou a que alguns dos indivíduos acabassem por se suicidar por não se adaptarem, entre outras coisas, à impossibilidade de comunicar através da fala, uma vez que sem ar nas cordas vocais não lhes era possível emitir sons. Essa dificuldade foi ultrapassada com a utilização de sintetizadores de voz adaptados à emissão num meio líquido.


As alterações seguintes foram mais radicais e implicaram o destino das cidades submarinas. Para evitar o desconforto de vestir os fatos de mergulho e os óculos, alguns dos habitantes, poucos ao início deram um passo ousado, aceitando submeter-se a um processo de enrijecimento da pele e à introdução de camadas extra de isolantes térmicos compatíveis com os tecidos humanos. Mantiveram a morfologia normal dos braços mas acrescentaram membranas em torno das pernas aumentando em muito a sua capacidade como barbatanas.


Finalmente a medicina evoluiu de tal maneira que foi possível dar o passo que cortou definitivamente a ligação dos habitantes das cidades submarinas com o mundo terrestre. Os cientistas conseguiram remover o cérebro de um corpo humano, mantendo-o vivo e consciente e colocá-lo num exosqueleto cibernético virtualmente indestrutível. Este mecanismo mantinha as condições de sobrevivência do cérebro debaixo de água, conseguia transmitir sensações tais como a aceleração e o tacto e tinha os seus próprios meios de locomoção perfeitamente adaptados ao meio subaquático. Este exosqueleto, em forma de gota de água, possuía diversos tentáculos que substituíam com vantagem as mãos e os braços. Eram mais fortes e resistentes e eram capazes de executar todas as tarefas dos membros humanos. Embora tivessem a capacidade de sintetizar a voz humana, foram dotados de outros meios mais eficazes para comunicação submarina. Foi criada uma linguagem completa com base no método de comunicação dos cetáceos que utilizava assobios e estalidos. Estes mamíferos marinhos foram também a inspiração para uma adição aos sentidos humanos. Os novos corpos humanos eram capazes de utilizar o seu sistema sonoro para emitir estalidos que eram utilizados como sonar. O sistema de sonar passou a ser utilizado em complemento ou substituição da visão, conforme a luminosidade. Um sistema de detecção de campos electromagnéticos semelhante ao dos tubarões-martelo foi também integrado no sistema de visão/navegação. O exosqueleto tinha uma construção que lhe permitia enfrentar as pressões máximas conhecidas nos oceanos terrestres e praticamente toda a gama de temperaturas, com excepção das elevadas temperaturas criadas pela actividade vulcânica submarina.


Com esta morfologia os novos humanos ganharam acesso a todas as massas de água acessíveis a partir dos oceanos mas perderam por completo o contacto com a superfície. Sem capacidade reprodutiva acabaram por se extinguir

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