terça-feira, 21 de dezembro de 2004

Verdadeira obra prima

Photo by MPTV - All Rights Reserved, MPTV - Image courtesy MPTV.net

Estive a rever uma parte do "2001 - Odisseia no Espaço" de Stanley Kubrick. Arthur C. Clarke é um dos meus autores de ficção científica preferidos mas curiosamente ainda não li este livro. Já li o 2061 e o 3001, pertencentes à mesma saga, mas o 2001 e o 2010 ainda não li. Em relação ao 2061 achei uma obra menor, mas já o 3001 é muito ousado e constitui um leitura interessantíssima. Pelo filme parece-me que entre o 2001 e o 3001 poderá existir alguma incongruência. Isto porque a explicação oferecida no 3001 para o monolito parece não ser consistente com a forma como este é apresentado no 2001.

Mas adiante. Como escrevi, estive a rever o filme e acho que é uma verdadeira obra prima. O ritmo do filme pode ser considerado lento, mas a verdade é que é perfeitamente consentâneo com o de uma viagem pelo espaço daquela duração. Ou pelo menos parece lógico pensar que sim. Todo o ambiente criado na nave parece extremamente realista, e mesmo passados quase 35 anos desde a sua realização o aspecto da nave mantém-se perfeitamente actual. O "realismo" atingido está excelente, mesmo ao nível dos pormenores. O ruído de fundo sempre constante na nave espacial, as rotinas de uma longa viagem. A ausência de gravidade está muito bem representada, as transições das zonas estáticas das naves para as zonas rotativas com gravidade artificial também apresentam uma solução interessante. Talvez não faça sentido andar de pé nas zonas de nave em que não há gravidade, tendo em conta que deve ser muito mais divertido e rápido flutuar de um lado para o outro, utilizando a impulsão contra uma parede. Aliás, de acordo com as imagens que nos chegam, parece ser essa a solução nas estações espaciais actuais e nos voos tripulados ao espaço. Mas também admito que ao fim de uns meses a coisa tenha menos piada e como já escrevi atrás, pressa também não deve haver muita. Bolas, mas mesmo assim, entre andar e voar, especialmente tendo em conta que havia a possibilidade de andar nas zonas com gravidade... Suponho que Kubrick tenha preferido utilizar poucas vezes o efeito de gravidade artificial para não correr o risco de parecer ridículo por causa das limitações técnicas do cinema da altura.

Mas agora pensando um pouco no assunto, andar em gravidade zero, mesmo utilizando velcro nas solas é um exercício que pouco terá que ver com a experiência de andar com 1 G. Quando andamos sujeitos à gravidade, o que fazemos é utilizar essa mesma gravidade inclinando-nos para a frente. Ao mantermos o pé de apoio no chão e inclinarmo-nos para a frente, o corpo desloca-se todo para a frente. Entretanto avançamos o pé que não está em apoio até este assentar no chão. Mantendo a inclinaçao para a frente levantamos o pé de trás e repetimos o processo. Ora sem gravidade a coisa fia mais fino. Para começar não é muito fácil inclinarmo-nos para a frente. Não havendo gravidade, a única maneira de nos inclinarmos para a frente é fazermos força com os músculos da canela. Outra maneira seria levantarmos uma das pernas para a frente e flectirmos o joelho da perna de apoio até o outro pé tocar no chão e o velcro prender. Um movimento aldo estranho. Uma maneira de simular isto é, por exemplo, deitarmo-nos no chão de lado com a sola dos pés apoiada na parede. Depois avança-se a perna de cima e tenta-se perceber como poderíamos apoiar essa perna na parede e dar mais um passo. Mas pronto, o que eu queria dizer é que, provavelmente caminhar em micro-gravidade, mesmo com sapatos de velcro não será tarefa fácil. Talvez seja até impossível.

Existem outros pontos que se podem apontar ao filme, e que são inevitáveis quando se trata de ficção científica. É claro que em 2004 ainda não temos estações espaciais turísticas, o que revela algum optimismo por parte Clarke, e por outro lado já não utilizamos cartões perfurados, o que revela alguma limitação. Mas de resto, a estética do filme não parece particularmente anos 60, bom, ok, talvez aqueles chapelinhos redondos das hospedeiras de bordo, mas enfim.

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A história é também muito interessante, mas pergunto-me se quando Arthur C. Clarke a escreveu já teria ideia de como terminaria em 3001. Um dos aspectos certamente mais interessantes é o computador HAL e a sua voz perfeitamente ausente de emoções. É fabuloso o momento em que Dave Bowman se desloca para os bancos de memória de HAL e este tenta dissuadi-lo de o desligar. Apesar de a voz manter o mesmo tom monocórdico é impossível deixar de sentir o pânico e o desepero do computador. HAL tenta apelar ao bom senso de Dave utilizando argumentos perfeitamente irracionais, estranhos a uma mente puramente lógica: "Percebo agora que as minhas acções possam ter sido erradas (refereria-se ao facto de ter morto toda a tripulação excepto Dave, embora também o tivesse tentado). Mas já me sinto melhor, vai correr tudo bem. Dave, acho que tenho o direito a uma resposta". Igualmente impressionante é a sensação que o filme transmite de que o desligar daquele computador é igual à morte de um ser vivo que se esvai em sangue ou que sufoca lentamente sem nada poder fazer para o evitar. Sem orgãos, respiração ou circulação sanguínea, os seus módulos de memória, o seu conhecimento, são o equivalente ao ar ou ao sangue de um ser orgânico.

Que filme fabuloso!

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