sexta-feira, 9 de julho de 2004

Genebra vs Guantanamo

Actualmente vive-se uma situação insólita na base militar que os Norte-Americanos mantêm na Baía de Guantanamo em Cuba. Como consequência do ataque militar ao Afeganistão, efectuado na sequência do atentado de 11 de Setembro contra as torres gémeas de Nova York, foram detidos mais de 600 homens, actualmente 595, considerados "combatentes ilegais". Esta classificação foi avançada (inventada?) pela Administração Bush como forma de retirar a estes homens os direitos e protecções garantidos pela Convenção de Genebra a todos os prisioneiros de guerra. Esta convenção foi assinada também pelos EUA em 1949 e reconhece a todos os prisioneiros de guerra o direito a um tratamento humano, define as condições mínimas de higiene e saúde que devem ser garantidas aos prisioneiros e proíbe práticas como maus-tratos e torturas.

Estes homens estão detidos sem acusação formal, sem acesso a advogados e há relatos de maus-tratos infligidos durante estes quase três anos de detenção. Alguns destes prisioneiros, demonstrando sinais de extremo desespero, chegaram a atirar-se contra o arame farpado. A detenção destes homens, independentemente da qualidade dos seus actos durante a guerra, torna-se ainda mais preocupante quando são conhecidos documentos da Administração Norte-Americana que procuram identificar situações em que a utilização de torturas seria justificável ou não-ilegal.

Ainda que num plano estritamente formal se pudesse argumentar(1) que em situações em que a Convenção de Genebra não é aplicável, a prática de tortura não é ilegal, essa é, ou devia ser, uma discussão puramente académica. A realidade é que quando os EUA assinaram a Convenção, estavam a reconhecer que em termos morais a prática de torturas não é justificável. Mesmo em situações extremas como é o caso uma guerra. Isto, claro, para além de aderir a um acordo internacional que protegeria o seu próprio pessoal militar.

Ao procurarem encontrar caminhos que permitam a tortura em situações pontuais, mais não estão a fazer que contribuir para o retrocesso civilizacional e dos direitos e garantias conquistados pela Humanidade durante o século passado.

E se os EUA podem decidir, discricionariamente, sobre quando a tortura é ou não é justificável e ninguém levantar a voz contra isso, quem poderá condenar, por exemplo, os resistentes iraquianos que viram o seu país ilegalmente invadido pelos EUA?

(1) - por hipótese. Na realidade não faço ideia se existe algum argumento jurídico que possa ser usado para legitimar a tortura. Assim de repente eu diria que não, mas posso estar enganado.

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