Há uns tempos atrás decidi passar a andar nu em casa. O meu emprego obriga-me a andar todos os dias de fato e gravata e senti que podia extravasar um pouco libertando o meu corpo de qualquer constrangimento. E seria uma maneira de juntar o útil ao agradável. Ultimamente tenho sentido os testículos demasiado quentes e a exposição ao ar seguramente me faria sentir melhor. De maneira que um dia cheguei a casa, como de costume depois da minha mulher e dos miúdos:
- Vou mudar de roupa - disse eu.
- Ok.
Em vez de despir a roupa do trabalho e vestir a usual t-shirt rota com os costumeiros calções manchados, despi tudo. Voltei à cozinha para fazer o jantar.
- Vais tomar banho?
- Aaaah... não, por que é que perguntas?
- Não estás a pensar fazer o jantar todo nu?!
- Não estou?
- Mas a que propósito?!
- Oh mor, preciso de liberdade. Passo o dia todo com aquela gravata sufocante ao pescoço. Assim nu sinto-me um como um enforcado que conseguiu fugir no último instante. Sinto-me liberto!
Olhou para mim, saiu da cozinha e voltou com uma toalha da cara.
- Toma.
Fiquei a olhar para ela com um olhar expectante.
- Sim?
- Tens de andar sempre com esta toalha.
- Para quê?
- Sempre que te sentares tens de te sentar em cima da toalha.
- Oh mor, então eu livro-me de uma grilheta e tu queres pôr-me outra?!
- É uma solução de compromisso! Achas que eu gosto que andes para aí com tudo a abanar pela casa toda?! Não viste aquele episódio do Seinfeld? (1) Há nu bonito e nu feio. Um homem a cozinhar todo nu com a pila encostada à bancada da cozinha cai na segunda categoria!!!
- Não percebo essa súbita preocupação com a possibilidade de o meu rabo assentar no sofá da sala. Já mocámos éne vezes no sofá e não me lembro de te ter ouvido "Espera mor, deixa pôr esta toalha por baixo, por uma questão de higiene."
- Mas o que é isso, mocar?
- Oh! Sexo, foder!
- FAZER AMOR!!!!
- Pronto, tá bem. Já "fizémos amor" éne vezes no sofá e não me lembro de te ter ouvido "Espera mor, deixa pôr esta toalha por baixo, por uma questão de higiene."
- Não me interessa! Queres andar nu, sentas-te em cima da toalha!
Ao princípio andava com a toalha na mão. Mas não era prático. Depois atei um cordel à volta da cintura onde pendurava a toalha. Mas era ridículo. Tentei então usar só os boxers. Mas embora os meus testículos se sentissem livres que nem um presidiário em precária, não gostava de os ver espreitar quando me sentava com as pernas um bocadinho mais abertas. De maneira que voltei ao velho conjunto t-shirt rota com calções manchados.
É por causa de coisas destas que volta e meia há um tipo nos EUA que se passa e mata os colegas todos no trabalho.
(1)É verdade, nos dias de hoje os diálogos entre mim e a minha mulher até já têm apontadores integrados. (Voltar)
Este texto foi inspirado pela peça "É como diz o outro" encenada por Tiago Guedes com Miguel Guilherme e Bruno Nogueira.
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