quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

As Viagens no Tempo e os Paradoxos Temporais

Uma confusão pegada

A questão dos paradoxos temporais gera tanta confusão que, invariavelmente, os filmes que os têm como tema batem sempre na trave. Vamos olhar para o exemplo do filme ["Under the Shadow of the Moon"](https://www.imdb.com/title/tt8110640/) de 2019. Quando digo que vamos olhar para o exemplo desse filme quero dizer que vou falar da história, pelo que se quiserem ver o filme talvez seja melhor interromperem a leitura deste texto e voltarem depois de terem visto o filme. Neste filme, um agente da polícia que virá a ser promovido a detective, depara-se com um conjunto de homicídios inexplicáveis. Dão-se todos à mesma hora, em zonas diferentes da cidade de Filadélfia, e através de um método desconhecido: três orifícios na nuca resultam em hemorragia massiva e na liquefação do cérebro, o que, como se poderia suspeitar, leva a morte quase instantânea. Há um pormenor interessante e que faz sentido (enfim, vamos aceitar que sim) e que é que a responsável pelos homicídios se desloca para trás no tempo de nove em nove anos. Explicando melhor, a primeira viagem no tempo é para o ano de 2006, depois para 1997 e, finalmente, 1988. Isso contrasta com a nossa visão da realidade que é a de quem avança no tempo. Vemos os eventos a darem-se em 1988, depois 1997 e finalmente 2006. Isto faz com que ela saiba coisas sobre o passado, tendo vindo do futuro, mas também com que saiba coisas que são especificamente do passado dela adquirido durante as suas interacções durante as viagens temporais e que virão a ser do futuro do detective. Esta é a parte que está bem pensada. Tudo o resto é estúpido, a começar pelo método de homicídio que é perfeitamente desnecessário. Para quê utilizar um isótopo exótico que pode ser activado no futuro levando à liquefação do cérebro das vítimas, quando é necessário utilizar força bruta para o injectar? Como é que algumas das vítimas morrem em situações do dia-a-dia sem qualquer aparente interacção com a assassina mas num dos casos a vítima é atacada no meio de uma discoteca à vista de toda a gente quando lhe é injectado o tal isótopo? Se o detective do futuro sabia que ia matar a assassina em 1988, que veio a descobrir em 2006 ser sua neta, por que carga de água insistiria com ela no futuro para aceitar a missão? A determinada altura e assassina diz que a viagem no tempo só pode ser feita numa direcção e que só pode voltar quando terminar a sua missão. Então em que ficamos? É só numa direcção ou não? Enfim, nada faz sentido.

Perspectivas Sobre as Viagens no Tempo

Como é típico nestas histórias, os assassínios têm como objectivo alterar o futuro eliminando pessoas no passado. Existem duas perspectivas sobre os efeitos das viagens no tempo. A primeira, talvez mais conhecida, é também a mais linear. Voltando atrás no tempo, qualquer alteração feita no passado terá um impacto imprevisível no futuro. Quando o viajante temporal regressasse ao seu período temporal original veria a realidade que conhecia alterada. Mas esta perspectiva tem o problema de poder levar a paradoxos temporais. Esse paradoxo pode ser extremo, por exemplo, fulano anda para trás no tempo, mata o seu avô, o que leva a que um dos seus pais não viesse a nascer, logo fulano nunca poderia ter viajado no tempo. Seria uma realidade temporal que reiniciaria a si própria. Uma versão mais leve desse paradoxo seria uma em que, atingindo o seu objectivo, seria eliminada a razão que teria levado à viagem no tempo, logo a viagem no tempo não viria a ter lugar, o que reporia a situação que levaria à viagem no tempo e por aí fora. A linha temporal comportar-se-ia como uma mola.


A segunda perspectiva é a das realidades alternativas. Segundo esta teoria, qualquer viagem no tempo levaria à criação de uma linha temporal alternativa e paralela à original. Fulano anda para trás no tempo e mal lá chega e perturba uma molécula que seja, cria uma linha temporal alternativa. Nesta linha temporal até poderá conseguir os resultados pretendidos. Por exemplo, a execução de Hitler em criança poderia não impedir uma guerra da Alemanha com os seus vizinhos, mas talvez não levasse à eliminação de seis milhões de judeus, testemunhas de Jeová, ciganos, homossexuais e pessoas com deficiências. Mas isso só aconteceria nessa linha temporal. Na linha temporal original, todos os factos históricos que conhecemos aconteceriam novamente. Acontece que já não seria possível voltar à linha temporal original. Dessa forma, quando fulano regressasse para o seu período histórico encontraria uma realidade diferente da que conhecia, mas saberia que a realidade original onde decorreu o Holocausto estaria a decorrer em paralelo. Sendo assim, se não é possível impedir a História de acontecer, qual o sentido de viajar no tempo? Esta teoria poderia ainda gerar outra situação complexa para o viajante temporal. Assumindo que as alterações à História não teriam impacto na sua árvore genealógica, quando voltasse ao seu período temporal já existiria outro fulano idêntico. Ou seja, a sua vida já estaria a ser vivida por outro de si mesmo. Uma melhor opção seria não voltar para o futuro e aproveitar para ver a realidade alternativa a acontecer. Potencialmente tirar partido dos conhecimentos adquiridos no futuro para construir uma vida agradável. Mas sabendo que seria para sempre um deslocado e que factos específicos dificilmente se voltariam a repetir. Por exemplo, será que Bill Gates criaria a Microsoft? Ou se a criasse, será que valeria a pena investir em acções dessa empresa?

Espaço-Tempo, Meus Caros

É claro que existe um aspecto das viagens temporais do qual todas (mas mesmo todas!) as histórias fogem como da peste. É que as viagens no tempo do ponto de coordenadas espaciais (x, y, z) para as mesmas coordenadas seria impossível. Ou melhor, assumindo que as viagens no tempo fossem possíveis, se uma pessoa se deslocasse para o mesmo ponto no espaço teria uma probabilidade quase absoluta de aparecer em pleno espaço sideral. Isto porque a Terra, o sistema solar, a Via Láctea e por aí fora se deslocam continuamente pelo espaço. Mesmo se considerássemos que a Terra percorre exactamente a mesma órbita à volta do Sol ano após ano como se andasse em carris, o próprio sistema solar orbita o centro da Via Láctea, sendo que um ano do sistema solar é equivalente a cerca de 225 milhões de anos da Terra. Portanto, não, tal como a mesma água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte, também a Terra nunca estará duas vezes no mesmo ponto de coordenadas espaciais absolutas. Para que uma viagem no tempo fosse viável seria também necessário não só viajar no espaço como também calcular com um grau de precisão elevadíssimo onde estaria ou teria estado a Terra no dia, minuto e segundos de destino. Com um erro mediano o viajante poderia ir terminar a sua viagem no espaço. Com um pequeno erro o viajante poderia acabar como parte integrante de uma montanha ou no meio do oceano.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Deus é Imperfeito

Maradona fez 60 anos e seguiram-se inúmeras reportagens e apontamentos sobre a carreira de El Pibe. Tenho visto jogos inteiros do campeonato do mundo de râguebi de 2019 no Japão e cada vez reforço mais a minha opinião de que o futebol é dos desportos menos interessantes que para aí andam. E no entanto, quando vejo Maradona a jogar, ou mesmo só a fazer o aquecimento, em criança ou em adulto, vêm-me as lágrimas aos olhos. O seu futebol é mágico, e Maradona é imperfeito mas divino. Longa vida a Maradona.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Vrenhec, a Invasão dos Estilistas

Uma Potência para Todas Governar


2073. A Terra é dominada por um único bloco, a República Popular da China. O único poder que conseguiu manter alguma capacidade de preservação do conhecimento científico e evolução tecnológica. Os restantes grandes poderes do planeta tinham entrado havia algumas décadas numa deriva de dormência cerebral resultante do sucessivo sucesso de lideranças populistas fascizantes. O longo percurso desta tendência política deu origem a um planeta em conflito permanente e que em muitos países levou a variadas implementações da Revolução Cultural Chinesa do séc. XX, com a consequente perseguição e chacina de professores, intelectuais e cientistas. O conhecimento foi-se perdendo como resultado do máximo desígnio educativo destes regimes: quatro anos de escolaridade. Apenas o suficiente para aprender a ler, escrever, somar, subtrair e o suficiente da história revisionista para sustentar o regime autoritário do seu país. Mas este caminho para a generalização da ignorância que passou por cima das antigas democracias liberais como um cilindro compressor, nem começou por acaso, nem ganhou balanço sem que alguém para isso trabalhasse. Tratou-se de um caminho onde a Rússia foi um mestre que rapidamente foi ultrapassado pelo seu discípulo mais a Leste. A Rússia conseguiu manter todo o seu aparelho de guerra assimétrica no topo da cadeia alimentar durante todo o reinado de Putin. No entanto, temendo o caos que se seguiria à morte do ditador, a China utilizou a última década de vida de Putin para construir um mecanismo holístico de manipulação das democracias com três objectivos em mente: em primeiro lugar reduzir a pressão destes países relativamente aos abusos dos direitos humanos na China, em segundo lugar manter o encrostamento da China nas cadeias de distribuição da economia mundial e, finalmente, a lenta conversão das democracias liberais em democracias iliberais, constantemente focados em inimigos reais ou imaginários e uma gestão da escassez a um nível suficiente para garantir países a funcionar em níveis mínimos, sem contestação política e apenas focados em gerir o dia seguinte. Para atingir este objectivo, a China utilizou não apenas as ferramentas de guerra cibernética desenvolvidas pela Rússia, como a manipulação da opinião pública através de mecanismos humanos e robóticos nas redes sociais, mas também outro tipo de ferramentas bem mais poderosas e com retorno directo financeiro, como o estabelecimento dos acordos de geminação entre cidades chinesas e cidades dos países alvo, corrupção pura e simples de elementos governamentais, aquisição de órgãos de comunicação social locais e, principalmente, a iniciativa Uma Faixa, Uma Rota, que a coberto de investimentos de biliões de remnimbi mais não foi que um mecanismo para financiar projectos chineses em países estrangeiros com dívida externa desses países, sendo que em troca de infraestruturas, esses países adquiriram tecnologia e mão de obra chinesas. Para além de comprar dívida, a China deixou também toda uma infraestrutura tecnológica que lhe permitiu estender o seu sistema nacional de escuta e recolha de informação a todo o mundo. Durante todo este processo a China observou a regressão de todo o planeta a níveis económicos e de conhecimento do início do século XX. E isto de uma forma bem mais eficiente que os EUA durante o século XX, uma vez que não dependeu da extensão de um sistema militar aos quatro cantos do mundo. Isto porque, no fundo, a China nunca teve a pretensão de impor o seu sistema político aos restantes países, mas apenas salvaguardá-lo a nível nacional e impedir eventuais ameaças externas que pudessem diminuir o controlo férreo sobre a sua população. De resto a China soube manter uma posição neutra no resto do planeta, estendendo o seu poder através de delicados filamentos que com recurso a pequenos mas eficazes empurrões, foi mantendo os seus interesses acautelados. Adicionalmente, o que constituiu uma ironia histórica de proporções épicas, conseguiu manter o controlo sobre toda a propriedade intelectual por si produzida, sendo que toda a infraestrutura tecnológica fora da China passou a ser controlada remota ou localmente por técnicos chineses, o que contribuiu fortemente para o culminar do estabelecimento da China como única potência hegemónica mundial, sem qualquer rival com a capacidade, ainda que remota, de representar uma ameaça para os seus interesses.

A Moda como Ponto de Entrada

E foi neste quadro em que quase todo o planeta havia regredido quase dois séculos em tecnologia e conhecimento, que a Humanidade teve o seu primeiro contacto com uma civilização de outro sistema solar. Os mais pessimistas amantes de ficção científica sempre haviam defendido e argumentado que as intenções de uma civilização extraterrestre que contactasse a Terra nunca poderiam ser benévolas. O racional teórico para esta posição era relativamente simples: uma civilização extraterrestre com a capacidade para viajar até à Terra, partindo de um ponto que nunca poderia ser mais próximo que quatro anos-luz, teria de ser detentora de uma tecnologia vastamente superior à dos humanos. Uma civilização benevolente, com sentido de responsabilidade e que integrasse valores morais e civilizacionais que a impedissem de prejudicar terceiros e que detivesse tal tecnologia, jamais entraria em contacto com outra que se encontrasse num estágio de tal forma inferior que o potencial salto tecnológico pudesse representar um perigo existencial. A análise da História da Humanidade demonstra este ponto até à exaustão e o contacto com esta civilização extraterrestre confirmou que a teoria era uma realidade verdadeiramente universal. Os extraterrestres não eram de facto benevolentes. O seu único objectivo era a eliminação completa da Humanidade para exploração dos recursos do seu planeta. Mas tal como os chineses, esta civilização, que viria a ser apelidada pelos humanos de Vrenhec[1], não planeava a curto prazo. Isto permitiu-lhes compreender todos os mecanismos utilizados pelos chineses para manterem a situação política mundial dentro de certos parâmetros, o que lhes viria a ser muito útil nas fases posteriores da invasão. Apesar de o objectivo último, a que os extraterrestres chamaram de "Solução Final", num assomo claro de humor negro e desprezo pela população humana, ser a eliminação de todo o espécime humano, com base noutras experiências de captura de planetas tinha sido estabelecido que uma abordagem inicial de força bruta acabava por ser contraproducente uma vez que levava a um entrincheiramento das forças defensivas e, consequente, a um longo período de guerra de contrainsurgência. Assim, seguindo uma estratégia em constante melhoria, o estado da arte em termos de conquista de civilizações subdesenvolvidas estava assente em várias fases em que a primeira consistia na infiltração dos corpos governamentais através de agentes locais, próximos do poder, mas que pudessem estabelecer-se como ponto de contacto sem darem nas vistas. Em cada planeta este grupo de pessoas variava, uma vez que dependia de encontrar alguma afinidade cultural entre os Vrenhec e a população local. No caso da Terra, esse grupo foram os estilistas de moda. Isto porque, por alguma coincidência do destino, os Vrenhec tinham uma capacidade inaudita para combinarem cores com uma tal perfeição que a mensagem dos Vrenhec se apresentava irresistível a uma pessoa que tivesse algum tipo de sensibilidade estilística. Desta forma, numa primeira abordagem estas pessoas eram raptadas, mas em vez de serem submetidas ao cliché das torturas com sondas enfiadas em diversos orifícios corporais, era-lhes feito uma visita guiada às zonas de lazer das naves, em crescendo de qualidade artística, culminando num desfile de moda com um tal nível de qualidade que os estilistas ficavam convencidos, para além de qualquer dívida razoável, da superioridade dos Vrenhec e da inutilidade da resistência da espécie humana. A partir desse ponto, mais do que rendidos, os estilistas passavam a almejar pertencer à não-existente comunidade intergaláctica dos Vrenhec. E foi assim que começou a conquista da Terra pelos Vrenhec e que durou até à extinção do último ser humano. Paz à nossa memória.

[1]:"Vrenhec" é uma alusão a um sketch de grupo de comédia português do início do século XXI chamado Gato Fedorento. Por alguma razão perdida na História, o humor deste grupo conseguiu estabelecer-se como uma referência popular a nível mundial, em paralelo com a introdução de termos e expressões em mandarim nas línguas de todos os países. Os extraterrestres comunicavam sem recurso ao som, pelo que não era sabido que nome davam à sua civilização. O termo "vrenhec" era utilizado no sketch para não chamar casamento à união entre homossexuais reconhecida pelo Estado dada a resistência dos grupos mais conservadores da sociedade que se opunham a legalização deste tipo de relação.(voltar ao texto)

domingo, 12 de abril de 2020

The Church of Astley

It's 2098 and as you would expect 87% of the world now speaks Mandarin as their native language. Much more surprising may be the fact that one religion has dethroned all others. Astleism is now the single, unifying religion in the whole planet. The single, legal religion, would probably better describe the situation since 2072 when the Unrelenting, the elite group of worshipers of Rick Astley, whom they consider to be the one and only prophet, took over the government of the most powerful countries of the world and made all other religions illegal. A bloody war ensued which spread to the whole planet. But the insidious movement, which started in 2007 with a seemingly innocent Internet prank called "rickrolling", was so deeply entrenched in the fabric of society, from the poorest populations to the highest echelons of power, that it took only 26 years of war to achieve the complete submission of all national and international governing bodies. A global ruling body named The Portrait was established in the former city of Sao Paulo which was renamed City of Astley. All nations were abolished, and The Portrait ruled all regions by proxy through some very unimaginative AI. The AI ruling had two separate stages. During the first stage the AI would analyze the characteristics of the to-be-ruled region and devise the best possible adaptation of the The Portrait Green Book, the book detailing the ruling philosophy of The Portrait, to the specific characteristics of the region. On the second stage, much like the Khmer Rouge child militants, the AI would blindly force compliance with the adjusted set of rules. There was no appealing to higher instances, the AI was the sole judge and jury with its mechanical extensions being the executioners. The only possible exception was when a human representative of The Portrait, a High Priest, was visiting the region. In that situation the High Priest could choose to rule, but there was no record of any having ever taken that option. They basically went on holidays and took advantage of all the luxury and wealth the regions had to offer. As a religion, Astleism was based on the lyrics of the singer and song writer Rick Astley, either of the songs he sang or that he wrote for others. The lyrics were used as the basis for the Astleism rules and commandments and sometimes were used ipsis verbis, but most often were very much distorted and extrapolated to sustain a religion-based worldwide dictatorship. The acts of worship were obviously based on non-sung versions of the songs of Rick Astley and the rite of passage at the beginning of the adolescence consisted of swearing an oath of allegiance to Church of Astley by invoking the words of the unavoidable "Never Gonna Give You Up". Mostrar citação

domingo, 24 de novembro de 2019

Fim da linha para um filho da puta

Três horas. Estou há três horas à espera. No escuro, protegido pela sombra do beco em frente ao restaurante onde está o meu alvo. Um filho da puta como não há muitos... ou pronto, muitos haverá, mas este é o meu. O meu filho da puta, que desta noite não passa. Tem até à sobremesa para fazer a sua última filha-da-putice. Até ao café. Ou ao digestivo. Foda-se, caralho, o que interessa é que de hoje não passa. Estou completamente focado na porta do restaurante. De vez em quando levo a mão ao cinto onde está a minha companheira. Não nos conhecemos há muito tempo, a nossa relação começou há apenas duas semanas quando por um acaso me cruzei com o filho da puta. Reconheci-o instantaneamente, mas ele deve ser daquelas pessoas más a fixar caras. Vi-lhe um fugaz momento de dúvida nos olhos, aquele esforço de memória que se faz quando achamos que conhecemos uma pessoa, mas não conseguimos recordar de onde. A sorte sorriu-me porque consegui controlar a minha expressão, olhei em frente e não me desmascarei. A mulher com quem ele caminhava disse algo e ele perdeu o fio do pensamento. O cérebro escolheu o caminho mais fácil e abandonou o esforço de perscrutar a memória. Assim que percorri uma distância segura dei a volta e comecei a segui-lo. Sem uma preocupação no mundo, o filho da puta caminhava ao lado da mulher. Por vezes punha-lhe a mão nas costas e dirigia-a. A conversa fluía com despreocupação. Mas como é que um filho da puta de um assassino deste calibre pode circular num país com leis com este à vontade? Como se não devesse nada a ninguém, como se não tivesse um mandato internacional de captura, como se não tivesse assassinado dezenas de pessoas em meia-dúzia de países africanos. Mas estes vermes têm um sexto sentido e comecei a notar-lhe algum desconforto. Como se pressentisse que o estavam a seguir. A conversa perdeu fluidez, de vez em quando olhava para trás. Aproveitava os reflexos para tentar descortinar uma cara repetida. Deixei-me ficar para trás, aumentei a distância e a preocupação dissipou-se. Segui-o até a um edifício de escritórios. Entrei para um café e esperei. Esperei umas horas, não sei quantas, até que ele voltou a sair pela mesma porta. Um carro parou em frente e ele entrou. Não ia conseguir segui-lo, mas há mais que uma maneira de esfolar um gato. O carro seguiu o seu caminho e eu fui ter com um merdas que conheço há uns anos e que vende armas ilegais. E foi aí que iniciei uma bela amizade com uma Beretta M9. Já tinha tido relações anteriores, mas eu não sou ciumento. Nem tão pouco preciso de uma bomba novinha e sem experiência. Eu e a Marta, que já teve outros nomes mas para mim ficou Marta, só precisamos de nos conhecermos bem. De passarmos algum tempo de qualidade. Conheço um gajo que é fanático por armas e construiu uma carreira de tiro completamente insonorizada por baixo da vivenda dele. Os vizinhos não fazem ideia, claro. Ele adora o cheiro a pólvora, por isso até faz questão de que lhe utilizem a carreira de tiro. O tipo não é muito fiável, mas não tinha muito mais opções. Não me podia ir inscrever no clube de tiro com uma arma ilegal e precisava mesmo de conhecer melhor a minha Marta. Perceber as manias dela. Do que é que ela gosta mais. Falei-lhe da nossa missão e entendemo-nos muito bem. Sinto-me como se fôssemos amantes de décadas. Consigo fazer dela tudo o quero, conheço-a por dentro e por fora e sei que quando chegar a hora não me vai falhar. Este beco... tem vantagens e desvantagens. Por um lado, permite-me focar na porta do restaurante. Como tenho de estar um pouco recuado para ficar na sombra, o ângulo fecha muito e praticamente só vejo a porta e a montra do restaurante. Por outro lado, não vejo mais nada e a ausência de estímulos faz-me divagar. Por vezes perco o foco e perco-me em memórias. Apesar de tudo podia ser pior. A rua ainda tem bastante movimento. É uma área de vida noturna e o facto de ser quinta feira não reduz a afluência. Está sempre a passar gente para baixo e para cima. Estudantes, a maior parte já muito bêbados dado o adiantado da hora. Turistas. Putos em aceleras das empresas de transporte de refeições. Casais. Putas. Polícias. Volta e meia passa um carro do INEM a assinalar marcha de urgência. E aqui no beco não deixa de haver movimento. Ratazanas. Já tive de dar um pontapé numa. Baratas. Gatos vadios. É uma animação. E eu espero. E imagino os últimos segundos de vida do filho da puta. Vai sair do restaurante. Com a despreocupação de quem acha que é imune. Que não lhe podem tocar porque fez um acordo com as autoridades em troca de qualquer coisa. Vai sair acompanhado com uma gaja qualquer. Já deve ir de pau feito a pensar na foda que comprou com uma refeição de luxo num restaurante da moda e que já devia estar fechado, mas que para um cliente especial faz uma atenção especial. Ele vai sair a rir-se, com a mão na cintura da boazona com que entrou. Uma miúda de vinte cinco anos ou coisa assim. Vestido justo mas com classe. Corpo atlético. Estes filhos da puta só arranjam material da melhor qualidade. Eles saem, ambos já bem bebidos, mas ela a cambalear e ele a ampará-la. Ele já só vai pensar em despi-la e comê-la. Não vai estar com os sentidos alerta, não vai sondar a rua à procura de ameaças. Eu só tenho de me dirigir a ele, assobiar, olhá-lo nos olhos e dizer uma palavra. Uma única palavra que lhe vai gelar o sangue. Uma única palavra que lhe vai recuperar a minha cara instantaneamente das memórias que ele já tinha enterrado debaixo das memórias de pilhas de cadáveres. Memórias essas que por sua vez já foram enterradas por muitas outras mais recentes e mais agradáveis. Porque estes filhos da puta têm sempre umas vidas muito preenchidas. E quando o significado da minha cara for claro para ele já eu vou ter a Marta na mão. Com uma recta perfeita entre o coração dele, a mira da Marta e o meu olho direito. Ele vai largar a miúda e levar a mão à arma que leva no coldre da axila. Um coldre lindo de pele feito por medida para a Glock mais cara que encontrou. Mas a mão não vai chegar à Glock porque quando ele iniciar o movimento já eu disparei. Vai sentir o impacto da bala antes de ouvir a explosão do disparo. Vou-lhe acertar no coração porque não quero que morra logo. Foi também por isso que não escolhi balas de ponta oca. Não é para morrer logo. Tem de dar tempo de eu chegar a ele. De o olhar nos olhos para poder ver a expressão dele enquanto interioriza o facto de que está a morrer. De que acabou a sua sorte. De que está finalmente a pagar pelas pilhas de cadáveres que deixou pelo caminho. Imagino isto e ensaio os movimentos. A aproximação. O assobio. O olhar. A mira. O disparo. E finalmente a porta abre-se. Passa das duas da manhã. Tal como eu previ saem os dois. Ela ri-se, cambaleia. Ele ampara-a. Eu começo a avançar, ajusto o capuz para me tapar a cara dos lados. Só ele me vai conseguir ver a cara. Avanço em direcção à luz, tiro a Marta do cinto e engatilho-a. Imediatamente antes de entrar no cone de luz um carro interpõe-se entre nós e trava de repente. Gritam em russo. A cara do filho da puta muda. Vejo-lhe o pânico nos olhos. A miúda nem tem tempo para se aperceber. Uma arma automática dispara e caiem os dois ao chão cravados de balas. Deixo de os ver por detrás do carro que arranca a alta velocidade. Os dois corpos estão no chão e escorre sangue no alcatrão. O vestido que era branco e liso, agora tem buracos de bala por onde escorrem fios grossos de sangue. Deste ângulo não consigo ver a cara do filho da puta e tenho de fugir porque já se aproximam transeuntes. Foda-se! Não acredito que estive a preparar-me durante duas semanas e mais três horas ao frio e uns cabrões de uns russos roubam-me o momento. Azar do caralho!

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Um whistleblower é outra coisa

Relativamente ao Rui Pinto, o pirata informático, a ex-deputada do Parlamento Europeu Ana Gomes tem estado a fazer uma grande campanha porque ele terá obtido provas de crimes fiscais cometidos por um conjunto de indivíduos e entidades e tem estado a colaborar com entidades judiciais e policiais de outros países e que já terão sido recuperados milhões de euros através de multas e processos decorrentes de informações partilhadas pelo pirata informático. Segundo Ana Gomes, o Rui Pinto será um whistleblower. Só que, tanto quanto sei, pelo menos historicamente, um whistleblower é um membro ou ex-membro de uma organização que por uma razão ou por outra, tendo tido acesso à informação dessa organização, decide denunciar actos não éticos, imorais ou ilegais da responsabilidade dessa organização ou de pessoas dentro dessa organização. No entanto esse não é o caso de Rui Pinto, que nunca trabalhou para essas organizações e que, para as obter as, acedeu ilegalmente aos sistemas informáticos e bases de dados dessas organizações. O que é crime. E não o fez seguramente com a intenção de encontrar informação sobre actos ilegais dessas organizações para poder levá-las à justiça. Por exemplo, segundo Rui Pinto, a problema que teve com um banco das Ilhas Caimão não passou de um diferendo. Mas quem é que acredita nisto? Quem é que tem diferendos com bancos das Ilhas Caimão sem ser cliente dos mesmos? Não terá Rui Pinto pirateado os sistemas desse banco, chantageado o mesmo e chegado a um acordo sobre o qual o banco não pode obviamente falar? Parece-me uma dúvida legítima e faz-me confusão que seja possível entrevistar o Rui Pinto e ficar satisfeito com a resposta que ele deu. Mas, hipoteticamente, vamos aceitar o pressuposto de que o Rui Pinto entrou ilegalmente nesses sistemas informáticos só, e apenas, com o objectivo de encontrar informações sobre crimes praticados pelas referidas entidades. Para aceitarmos essa prática por parte de um privado, por maioria de razão, teríamos de aceitar que as autoridades policiais pudessem fazer o mesmo sem um mandato judicial. Mas isso não está em cima da mesa. Porque não pode estar. Seria deitar fora todo o sistema de liberdades e garantias que damos por certo numa sociedade de direito. É claro que, havendo crimes para expôr, as águas podem ficar um pouco mais turvas. Mas há que perceber que existe outra face da moeda. Se aceitarmos que os Ruis Pintos da vida andem a navegar pelos sistemas informáticos deste e daquele porque toda a gente acha que são corruptos ou criminosos, então teremos de aceitar que os mesmos Ruis Pintos o façam com os nossos correios electrónicos e ficheiros privados porque, afinal, qualquer um de nós pode ser criminoso. Mostrar citação

sábado, 15 de junho de 2019

Operações Especiais Anti-Hipster (OEAH)

As Operações Especiais Anti-Hipster (OEAH) são uma unidade de elite clandestina cuja missão é a eliminação do flagelo da barba hipster. Demasiadas pessoas  vêem as suas vidas destruídas pela obsessão com a manutenção de uma barba estilosa e os membros desta unidade de elite juraram proteger a sociedade dessa praga. É uma luta inglória porque a taxa de contágio é muito elevada, mas nada demove estes guerreiros. A unidade é composta pelos melhores especialistas de várias áreas, nomeadamente comunicações, espionagem, penetração de redes e computadores e, a mais importante de todas, a barbearia. Cada missão tem as suas especificidades mas uma missão típica passa pelos seguintes passos:

Identificação de alvos - esta identificação é feita através de vários processos. Alguns alvos são identificados através de câmaras colocadas junto aos principais antros de propagação desta praga, as barbearias vintage. Outros alvos são identificados através de um vírus nos sistemas informáticos das Finanças que enviam um alerta sempre que é recebida uma factura de uma casa de contágio. Aliás, esta foi a principal razão para a criação do eFactura. Um dos elementos dos OEAH conseguiu convencer o Governo de Passos Coelho de que se poderia convencer a população a pedir mais facturas se se criassem incentivos financeiros com base no IVA recolhido das facturas. Mas na realidade o principal intuito desta medida era a identificação de elementos da população afectados por barbitis hipestariana.

Planeamento de operações - identificado um alvo é feito um levantamento exaustivo dos meios de informação necessários à execução da operação de salvamento. O alvo é observado nas suas rotinas diárias, os seus equipamentos electrónicos são pirateados e são identificados os melhores locais para a captura do exemplar. A missão é desenhada ao mais ínfimo pormenor. Nalguns casos é feita uma réplica do local de captura e a equipa treina todos os passos da missão até os movimentos se tornarem tão naturais que falhar é practicamente impossível.

Execução da operação - No dia da operação a equipa sai para o terreno. É utilizada uma carrinha especialmente desenhada para o efeito, completamente insonorizada e com uma cadeira de barbeiro. Tipicamente dois elementos da equipa convergem para o local de extracção recebendo instruções por rádio de um terceiro elemento dentro da auto-barbearia. Um drone segue o alvo, o que permite saber a sua localização a cada momento. É essa informação que permite aos elementos no terreno ajustar a sua velocidade para que convirjam no ponto de captura exactamente ao mesmo tempo. Nesse momento o alvo é manietado e é-lhe administrado um soporífero para que a cura possa ser aplicada sem lhe causar danos físicos. Após o soporífero fazer efeito, o espécime é introduzido na auto-barbearia e é sentado na cadeira de barbeiro e o especialista barbeiro entra em acção. Outra vantagem do soporífero é a remoção da barba ser menos traumática. Enquanto o barbeiro faz o seu trabalho, a viatura desloca-se para a habitação do espécime capturado. É levado em braços para o seu quarto e deitado com cuidado. Aplica-se-lhe o antídoto, são medidos os sinais vitais e a equipa retira-se. Quando o alvo acorda encontra-se desorientado. Normalmente leva as mãos à cara e percebe que tem um escanhoado perfeito. É deixado um equipamento com uma mensagem de vídeo que explica que se encontra liberto da sua barba de hipster e que, embora seja expectável que venha a sentir alguns sintomas de privação, deverá resistir à tentação de deixar crescer novamente a barba. É-lhe apresentado também um estudo financeiro, baseado nas despesas dos últimos anos que demonstra os danos financeiros que a obsessão pela barba causou.

Esta unidade já salvou mais de 600 portugueses desta calamidade pública desde a sua formação em 2011, mas o Estado negará sempre a sua existência.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Culture appropriation my ass!

As many people, I watched with incredulity the "Is it OK to use black emojis and gifs?" BBC video where writer Victoria Prince will starts by introducing the concept of digital blackface and then goes on a rant explaining how a bunch of unrelated things are awful to black people and how using images of black people constitutes disrespect towards them and "cultural appropriation". Although all said in a well built speech and a fantastically groomed British accent, the end result is nothing but a sack of bollocks. I have no quarrel with the notion that blackface, which is something which was very popular many decades ago, is offensive. What is completely ridiculous though, is to link that long-lost art to any of the examples she provides. Expression gifs are mostly with black people? So the fuck what? I can't vouch for why other (white) people would use them and I myself have only used one once on a WhatsApp message to my wife because the app did that automatically, but isn't it a bit abusive of Victoria Prince will to presume to know the intentions of any *white* people when they use such gifs? Dare I suggest that those images are being selected because they convey a specific expression better than other such images and not "to express some form of exaggerated blackness"? At least it would stand to logic that it would be so. Then she goes on about how black people are not there to entertain white people. Well, as a matter of fact, most of those black people shown in the example gifs were, in fact, there to entertain us. Not white people but people from all races which choose to watch the movies, tv series and talk-shows they are in. So Oprah isn't there to entertain us? Please! That's how she became richer than most could ever dream to be. And jolly well good that she did.

And what about that "cultural appropriation" argument? First of all, there isn't such a thing as "black culture" the same way as there isn't any other racial culture. There may be a Jamaican culture, Gambian culture, South African culture, but even inside these countries there will be variations as there are in white majority countries. Portugal is a small country and there are huge variations in the culture of the different regions. The food is different, the typical clothing varies, the dancing and singing are completely different from North to South. Would it be fair to say that it is pretty arrogant of dear Victoria to claim to have the authority to bar white people access to specific items of "Black Culture"? So what does that mean? The blond girl at minute 0:46 can't use dreadlocks? What's next? White people can't play jazz? How about listening to music created by black people or reading a book written by a black author? Are we allowed to do that?

Victoria wants white people to let black people decide for themselves how they want to be perceived. But unfortunately, as many people have already raised, it's not up to any if us to choose how others will perceive us. For instance, although that was probably not her intention, my perception of Victoria Prince will is that she is a pedantic racist who is not even consistent with her own words. I would expect that someone complaining about the appropriation of her culture by others would be dressed in some African attire and have afro hair. But instead, she presents herself with some standard occidental clothing and straight hair. How's that for "culture appropriation"? 

And finally I'm left wondering about her approach. Why address the white people specifically? Is it an exclusive of white people to use gifs of black people? Or is it only offensive if it is white people doing it? What about Asians? Is it ok for Asians to use black gifs? What about black people using gifs of white, yellow, red or blue people? Is Victoria ok with that?

I'm very surprised that in a world and age where black people have, with good reason, so much to complain about, someone would reinforce the victim stereotype with this kind of speech.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Tempo livre, livre de culpa

Hoje apercebi-me de que tenho o pacote de DVD dos filmes d'O Padrinho. Já nem me lembrava. Anseio por um tempo em que possa ver os três filmes mais o DVD extra ao ritmo que me apetecer sem sentir culpa. Por não ter ido às compras. Por não ter estudado com os miúdos. Por não ter lido qualquer coisa para o trabalho. Assisti há bocado ao "Alta Definição" com o Ricardo Araújo Pereira. Foi o melhor de sempre, acho. Bem conduzido pelo Daniel Oliveira, muito bem feito editado. Mas sobretudo, o entrevistado era o RAP. É verdade que ouvi muitas coisas que já tinha ouvido antes, mas a consistência e qualidade do discurso é, só por si, um valor impagável. Uma das coisas que o RAP disse foi que os proveitos da publicidade, que aparentemente há quem considere que tenha sido excessiva, lhe compraram tempo. Tempo precioso para fazer algumas coisas que ele nomeou como sendo importantes para si e que não poderia ter feito se, como muita gente, incluindo eu, tivesse um emprego. Faz-me confusão como é que alguém se pode arrogar ao direito de definir para terceiros se uma determinada actividade, legal até prova em contrário, estará abaixo ou acima da respectiva condição. Fazendo uns quantos anúncios, RAP conseguiu a liberdade para escolher como ocupar o seu tempo. Mas para alguns esse tempo que lhe foi pago teria de ter sido aplicado de outra maneira. Mais, deveria ter sido aplicado de outra maneira. Não há paciência. Quem me dera poder trabalhar muito por períodos limitados de tempo para depois poder fazer o que me apetecesse por igual período de tempo. 

sábado, 21 de maio de 2016

Queimem Brian May e Roger Taylor na pira funerária

Fui ontem ao Rock in Rio ver os Queen. Achei a interpretação do Adam Lambert espectacular. Canta muito, é irreverente e tem uma presença em palco extraordinária. Tem espaço para melhorar? Possivelmente. Aquela mania dele dos saltos altos é irritante? Seguramente. Não vou estar aqui a mandar postas de pescada sobre os dotes vocais e musicais do rapaz porque não sou nenhum perito em música. Mas que ele canta comó caraças e rebenta com tudo, ah lá isso ninguém lhe pode tirar.

Acho piada àquele pessoal que o melhor que consegue dizer é que os Queen sem Freddie não são a mesma coisa. A partir daí é sempre a descer. Claro que não são a mesma coisa, e depois? Parece que preferiam ver um espectáculo dos Queen com o corpo embalsamado do Freddie Mercury e alguém a mexer-lhe a boca como se de um ventríloquo se tratasse. Ou, se calhar, Brian May e Roger Taylor deviam ter sido queimados numa pira funerária juntamente com Freddie Mercury, quais viúvas indianas do antigamente.

Adam Lambert é um digno sucessor de Freddie Mercury que ficaria certamente orgulhoso se o pudesse ouvir cantar. The Show Must Go On.

sábado, 14 de maio de 2016

Só pode ser parvo

Sobre as afirmações de Passos Coelho sobre a sua política de "nunca" participar de inaugurações, coisa que, segundo a sua opinião, os Primeiros Ministros não deviam fazer e logo, por maioria de razão, António Costa também não devia fazer, a única coisa que me ocorre dizer é que só pode ser parvo. Custa-me a crer que a intenção dele tivesse sido mentir. Provavelmente não tinha preparado uma resposta e, quando os jornalistas lhe perguntaram porque não ia participar na inauguração, a boca começou a mexer-se mais depressa que o cérebro permitia e foi por aí fora tentando minimizar os estragos através da melhor articulação que conseguia das palavras que lhe saltavam da boca para fora, tal como alguém que escorrega por uma ribanceira abaixo e não consegue parar, a pouco mais pode aspirar do que desviar-se dos obstáculos que se lhe vão apresentando. É claro que se Passos Coelho vivesse na Idade Média, a coisa teria passado, mas hoje em dia há jornais, telejornais, Internet e outras coisas do género e a aldrabice não durou mais que uns milésimos de segundo até centenas de pessoas começarem a fazer um apanhado de todas as inaugurações a que Passos foi, não só quando era Primeiro-Ministro como quando já o tinha deixado de ser.

Esta história lembra-me uma outra na minha família. O meu pai vive num monte alentejano e na altura tinha cavalos. Acontecia que os cavalos andavam à solta e por vezes gostavam de estacionar em frente à porta do anexo onde eu dormia quando lá ia de visita. Na altura comentei que era um bocado chato ter pilhas de poia de cavalo mesmo em frente à porta da rua. E foi então que o meu pai inventou no momento um pedaço de sabedoria popular que ainda hoje uso como piada: "isso não vai acontecer porque os cavalos só cagam onde comem". É claro que na altura foi hilariante e ainda hoje é mentira, mas está visto que quando é preciso arranjar uma desculpa, a boca dispara primeiro e as preocupações com a verdade vêm depois.

A este propósito deixo aqui o apontador para o Não é Mau dedicado a esta afirmação de Passos Coelho que ilustra bem a imbecilidade da mentira.

domingo, 3 de abril de 2016

Carta aberta a Henrique Sá Pessoa

Caro Henrique Sá Pessoa,

Gostava de começar esta carta aberta dizendo que sou fã do seu trabalho na televisão e do seu estilo educativo e pouco espalhafatoso. Não tenho dúvida de que será um dos melhores chefs de Portugal, mas espero que não se considere acima de uma crítica e que reconheça esta como construtiva.

Hoje fui ao Mercado da Ribeira, um espaço excelente, animado e com uma variada e vibrante oferta culinária, onde o meu amigo tem um dos seus espaços de restauração. Como sou grande fã de leitão, que é um animal fofinho antes de cozinhado e extremamente saboroso depois de deixado a repousar num bom e bem quentinho forno a lenha, decidi experimentar a sua Bifana de Leitão Crocante. Tive de esperar 25 minutos pela iguaria, mas não posso assacar culpas à casa dado que o número de utilizadores do espaço comercial em questão era, à hora do pedido, manifestamente grande. O meu primeiro contacto com a sua interpretação de uma bifana de leitão foi bom. 



Como se pode ver pela imagem, não se trata de uma bifana no sentido clássico, ou seja, um bife dentro de uma carcaça, mas sim de cubinhos de leitão em pão de brioche (se calhar é outro tipo de pão, confesso a minha ignorância), pickles (?) e molho agridoce.

Como é expectável, uma vez que os cubinhos de leitão não formam uma unidade coesa, alguns deles caem facilmente para o prato. E foram exactamente algumas destas unidades paralepipédicas que eu primeiro experimentei. Não há como negar, eram extremamente saborosas. Na minha opinião, deve ser difícil falhar com leitão, mas mais uma vez, vou admitir a hipótese de estar errado uma vez que nunca cozinhei nenhum. Mas pronto, pontos a favor. Ao leitão propriamente dito não tenho nada a apontar. Aliás, seria ser mal agradecido, uma vez que o pobre leitão abdicou de uma vida longa e cheia de diversão para que eu e outras pessoas o pudéssemos saborear. O problema foi o que veio a seguir. Não vou dizer que a receita no seu conjunto saiba mal, mas acho que é claramente um caso em que a soma das partes vale menos do que cada uma delas individualmente. A sensação com que fiquei ao saborear todos os ingredientes juntos foi que estava a comer comida chinesa. E que não me interpretem mal, eu sou grande fã de comida chinesa. Mas acho que o pobre leitão merecia melhor sorte do que ver o seu subtil e rico sabor desaparecer debaixo de uma catefrada de outros sabores. Aquela bifana não sabe a leitão! Tem um ligeiro sabor a porco que mal se consegue discernir no meio dos pickles (acho que eram pickles) e do molho agridoce que dominavam completamente o prato. Imagino que a receita se enquadre no conceito de comida de fusão, mas na minha humilde análise, não passa de uma confusão. Para os bifes e outros estrangeiros que não conhecem o Leitão à Bairrada, até pode servir, mas aqui para o je, que já comeu muitas e boas sandes de leitão, menos é mais.

Caro Henrique... Henrique? Está a ouvir-me...? Olha que isto, um gajo a tentar ser construtivo...

sábado, 26 de março de 2016

Da nacionalidade das bancas

Muito se fala actualmente da espanholização da banca. As opiniões parecem dividir-se entre aqueles que acham que o capital não tem nacionalidade e que o mais importante é que seja privado e bem gerido, e os que acham que para manter os centros de decisão no país se justifica nacionalizar de novo a banca com dinheiro que o país não tem. Não sendo eu a favor da nacionalização há alguns aspectos a ter em conta, nomeadamente:
1. Pensar que os bancos são instituições imunes à politica e unicamente orientadas ao lucro não passa de uma ingénua ilusão. Os bancos, como qualquer outro tipo de organização de grande dimensão, são instituições extremamente permeáveis à política, quer interna, quer externa, onde as equipas são geridas de acordo com critérios subjectivos, com directores bafientos e que estagnaram no tempo, muitas vezes coordenadas por pessoas sem a mínima vocação e/ou formação para o fazer, onde o trabalho das pessoas não é reconhecido e as decisões são muitas vezes tomadas por questões de ego. Inclusivamente, pedidos de crédito que qualquer pessoa com um mínimo de consciência relativamente ao que é a capacidade de endividamento rejeitaria, conseguem chegar às cúpulas mais elevadas do poder e ser aprovados única e exclusivamente porque quem os pede tem um cartão partidário da cor certa. 

Em face a isto, pensar que o capital não tem nacionalidade é ter os olhos tapados. Uma coisa é os accionistas poderem ser espanhóis, angolanos ou marcianos, outra bastante diferente é um banco nacional ser absorvido por outro do país ao lado. Quando há fusões, há racionalização das estruturas. Isto significa que existindo duas estruturas semelhantes para os mesmos fins, uma delas será absorvida pela outra e há pessoas que são mandadas embora. E quando chega a hora de mandar pessoas embora, havendo uma posição de força de uma das partes, adivinhem qual é o lado que tem de mandar pessoas para a rua? Outro aspecto que só quem nunca trabalhou em multinacionais é que não percebe é que, quando existem departamentos em que as chefias estão num país e uma parte da equipa está no outro país, quando toca a dividir prémios anuais, há sempre um lado que fica a olhar para a mão enquanto os prémios ficam todos do outro lado. E quando se decide investir, a divisão dos fundos também não costuma ser justa. Para todas as decisões é necessário o ámen de Espanha e por aí adiante.

2. Dizer que os bancos de Espanha são maiores que os portugueses porque são mais bem geridos é hilariante. No mínimo carece de demonstração. Os bancos espanhóis são maiores que os portugueses porque Espanha tem só quase 5 vezes a população de Portugal. É natural que bancos que se formaram e consolidaram num país grande sejam maiores que bancos que passaram por processos idênticos em países mais pequenos. Para além disso há uma série de equívocos nessa afirmação. Primeiro, quem o afirma parece esquecer, ou desconhecer o pânico por que passou a banca espanhola em 2009 quando a bolha do imobiliário rebentou. Por exemplo, o Jornal de Notícias noticiava em ano passado que a banca espanhola tinha 197 mil milhões de crédito mal parado. A banca espanhola também precisou de um resgate, o que é estranho para uma banca que se pretende tão bem gerida.

3. A razão pela qual estamos a discutir a compra do BPI pelo Caixa Bank não é a falta de solidez do primeiro. A União Europeia alterou as regras relativamente ao nível de exposição que os bancos europeus podem ter a determinados países e, azar dos Távoras, o BPI tem uma exposição a Angola superior ao permitido por via do BFA, do qual detém 50,5%. É essa situação que tem de ser resolvida antes de não sei quantos de Abril, data após a qual a UE com o objectivo de consolidar a banca europeia se propõe a cobrar multas ao BPI até este ir à falência ou resolver a questão do rácio de exposição a Angola. O que chegar primeiro. Seria interessante perceber a lógica de colocar um banco europeu nesta posição em que as variáveis para resolução do problema não estão nas suas mãos, mas temo que não seja a lógica o principal delineador das decisões europeias.

sexta-feira, 25 de março de 2016

O violador em série

Era mais forte do que ele. Elas chamavam por ele como um íman atrai um pedaço de ferro. Era a vertigem do perigo e a sua incapacidade para se defenderem que o impeliam para a frente. Aquela inocência, aquela beleza que prometia o paraíso, o risco de poder ser apanhado... tudo contribuía para estimular de tal maneira os seus instintos mais primitivos que tinha dificuldade em controlar-se. Quando se encontrava junto a uma delas sentia tonturas de tal maneira fortes que via a sala a girar à sua volta e temia perder o equilíbrio. Mas disfarçava, tinha de ser forte. Os seus colegas podiam aparecer a qualquer momento e se fosse apanhado seria o fim. Mas ninguém conhecia o seu segredo. Já tinha violado dezenas, centenas e nunca ninguém sequer desconfiara dele. Tinha chegado a altura. Era como se na divisão só estivessem ele e ela e nada mais houvesse em seu redor. Aproximou-se lentamente como se de um leopardo se tratasse. O segredo é atacar quando menos se espera. Apanhou-a por trás e quase chegou ao êxtase quando o seu bafo quente e húmido a fez perder a compostura. Sem qualquer protecção ficou completamente exposta. Nada o podia impedir de concretizar os seus desejos mais obscuros. Ela era sua para fazer o que bem entendesse e ele não se pouparia a nenhum capricho...
- Alto! - apanhado em pleno acto. Virou-se de repente tentando disfarçar o indisfarçável. À sua frente o chefe da repartição dos correios estava acompanhado por uma colega sua que tinha levado como testemunha.
- O que é que tem atrás das costas? - amarrotada, parcialmente escondida na sua mão esquerda estava a carta de um emigrante no Panamá para a sua mãe que vivia numa aldeia da Guarda. Pensou que se deixasse cair a carta poderia argumentar nada saber sobre o assunto, mas a chaleira que tinha utilizado para descolar o envelope não podia ser explicada. Não havia argumentos nem histórias que o safassem. Estava acabado. Limitou-se a olhar para o chão com o rosto coberto de vergonha e a pousar o carta em cima da mesa de trabalho.
- Dª. Maria, é testemunha desta devassidão - os olhos do responsável destilavam ódio, traído que se sentia por um empregado em quem depositara a sua mais completa confiança durante quinze anos. - Manel, está suspenso até nova ordem. Vou-lhe pôr um processo disciplinar e garanto-lhe que tudo farei para que nunca mais possa trabalhar numa repartição dos correios até ao fim dos seus dias. Nunca lhe perdoarei a sua traição! Enquando Manel se dirigia ao seu posto de trabalho para recolher as suas coisas os seus colegas voltavam-lhe as costas. E foi assim que após quinze anos a violar correspondência, Manuel de Vila Verde Romão, filho da terra e outrora respeitado habitante da sua aldeia, atravessou pela última vez a porta de uma repartição dos correios

segunda-feira, 7 de março de 2016

Medo de quê?

Li agora o artigo da Fernanda Câncio e achei que foi um tiro ao lado. Alegar que alguém tem medo de alguma coisa é uma parvoíce. Alegar que não há liberdade de escolha é uma falsidade. Na discussão que se seguiu li pessoas histéricas a contar que lhes tinham perguntado se queriam brinquedo para menino ou para menina como se lhes tivessem perguntado se eram judeus ao mesmo tempo que preparavam a agulha e a linha para lhes coser a cruz de seis pontas na roupa. Vamos lá a ter calma, não há razões para histerias.

Se um pai, sabendo dos gostos do seu filho, perguntar quais são as opções e escolher o My Little Poney para o seu rapaz, acho que ninguém vai chamar a polícia do sexo dos brinquedos e impedir a entrega do pónei piroso ao rapaz. Nem o empregado da McDonalds se vai recusar a dar a caixa do Happy Meal sem pedir para confirmar que a criança tem pipi.

Estou de acordo que não faz sentido que na caixa diga se é para menino ou para menina, mas o problema não é a McDonalds. O problema são as outras crianças. No outro dia a minha mulher contava-me uma conversa que ouviu na piscina onde vão os nossos filhos. Um menino de oito ou nove anos queixava-se à mãe de que na escola os outros meninos gozavam com ele quando ele falava da Elsa e do Frozen. O Frozen é um filme da Disney mais direccionado para o público feminino, daí gozarem com o rapaz. Eu já vi o filme e até achei giro, mas os meus filhos demonstram alguma aversão por ser um filme para meninas. Também é verdade que se estivermos em viagem e não houver alternativa acabam por ver, mas pronto, a rejeição inicial ninguém lhes tira. E garanto que não andei a fazer a cabeça aos putos para não verem o filme, tenho mais que fazer. Enfim, a moral da história é que se um menino tiver na mesa uma caixa da Happy Meal a dizer que é para menina, corre o risco de ser gozado e isso deve ser evitado. Resumindo, espero que continuem a haver carrinhos e bonecas e que as crianças possam escolher o brinquedo que querem. Espero também que, na sanha de fingir que rapazes e raparigas não têm gostos diferentes, não venham a eliminar a liberdade de escolha. Disso sim, tenho medo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Bigodes

Não gosto do Carnaval. Nunca achei piada a mascarar-me. Mas este ano, depois de um almoço em que levaram bigodes postiços que eu experimentei, achei interessante deixar crescer o bigode durante o Carnaval. Posso dizer que foi uma experiência enriquecedora que me permitiu tirar várias conclusões:
1. "É Carnaval, ninguém leva a mal" é uma grandessíssima mentira. A minha mulher ficou piursa por eu não ter rapado o bigode. Ameaçou que não saía comigo à rua e, como íamos ter colegas de um dos meus filhos cá em casa, exigiu que eu não aparecesse às mães dos miúdos.
2. As mulheres olham mais para um homem de bigode. Notei uma diferença clara entre o a.B. (antes do Bigode) e o d.B. Isto coloca-me um dilema. Ou um trilema. Ou até mesmo um polilema. Por um lado a atenção é interessante. Por outro fico horrivelmente mal de bigode. Houve quem me jurasse a pés juntos que eu ficava muito bem, mas acho que a ideia era gozar o prato por mais algum tempo. Mas eu tenho espelhos cá em casa e não restam dúvidas em relação a isso. Outro lado ainda é que fiquei com a ideia clara de que enquanto tivesse bigode não havería sexo. E eu gosto de sexo com alguma regularidade.
3. Os homens olham mais para um homem de bigode. Não sei o que dizer em relação a isto, vamos fingir que não se passou nada.

Reflecti um pouco sobre esta recém-adquirida atenção adicional e sobre quais poderíam ser as causas. Ocorrem-me duas hipóteses:
1. O bigode é tão ridículo que funciona como um acidente de viação. As pessoas simplesmente não conseguem desviar os olhos.
2. Embora não existam dúvidas de que o bigode me fica muito mal (a minha mãe confirmou-o), não posso deixar de reconhecer que me parece que este bigode em particular dá ao seu utilizador uma aura de determinação e de quem sabe o que quer. Alguém a quem o ridículo não assusta e que enfrenta as adversidades da vida com um sorriso nos lábios. Um homem que usa um bigode destes é capaz de enfrentar um leão. Ou até mesmo um exército. Provavelmente essa percepção, que pode até ser só minha, vem de uma imagem do passado. Pensei que fosse dos heróis dos filmes de acção dos anos oitenta mas fiz umas pesquisas e parece que na altura só o Chuck Norris é que usava bigode. É preciso andar um pouco mais para trás, até aos anos setenta para o bigode ser uma moda de alguma dimensão.

De amanhã não passa.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Um abraço para o Cláudio Ramos

Vi a entrevista do Cláudio Ramos e fiquei impressionado com a vida do rapaz que não foi fácil até chegar onde chegou. Não há dúvida de que a idade lhe fez bem e que já não é irritante como era. Também aposto que assumir a homossexualidade o deve ter aliviado bastante. Não me parece que algo que era um dado assumido por toda a gente, sobretudo no situação de considerável abertura face à homossexuaidade que se vive actualmente, o venha a prejudicar profissionalmente. Se há uns anos escrevi sobre quão insuportável o Cláudio era, possivelmente uma estratégia para se afirmar, desta vez escrevo para lhe desejar boa sorte, também merece.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Cocktail Engenho


Inventei um novo cocktail. Chama-se Engenho porque a necessidade é mãe do engenho e fiz com o que havia cá em casa.


Ingredientes
- Sumo de meia lima
- Vidrado de lima
- 3 cubos de gelo
- 1,5 medidas de jeropiga 
- 1,5 medidas de vinho do Porto
- A
gua tónica a gosto

Método

- Esfregar o bordo do copo com vidrado de lima

- Juntar num shaker a lima, a jeropiga e o Porto

- Agitar à bruta e coar para um copo

- Juntar o vidrado e água tónica a gosto


Bem bom!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

O João Quadros é uma besta

Ontem aconteceu uma coisa engraçada no Twitter. Há uns tempos encontrei a conta do João Quadros no Twitter e decidi seguí-lo. Sou fã do Tubo de Ensaio e achei que a conta do Twitter podia ter potencial. Havia algumas coisas com piada, outras neutras e outras completamente boçais e gratuitas. Por exemplo, o pessoal da Assembleia da República é todo varrido a vaca e cabrão. Já tinha tido algumas interacções com ele, mas tudo muito curto. Ontem mandei uma piada completamente inofensiva e o gajo começa a espingardar. A cada resposta ia subindo o tom e às tantas estava a oferecer-me porrada e a fazer comentários sobre a minha mãe. Ou seja, é um gajo completamente hipócrita que por um lado defende que não existem limites para o humor, coisa em que concordamos, mas que por outro lado quando lhe dizem alguma coisa de que não gosta quer logo partir para a porrada.

Também me parece que existe alguma confusão nesta conversa dos limites do humor. O gajo comporta-se como se o facto de escrever textos humorísticos lhe permitisse tudo. Ou seja, como se a liberdade humorística se estendesse a tudo o que ele faz, mesmo que não tenha qualquer relação com o humor. O João Quadros dá um pontapé na bengala de uma velhinha e esta estatela-se no chão, mas o João Quadros é humorista e o humor não tem limites, logo não existem limites para o João Quadros. Assim como que por hosmose.

Mas o gajo disse uma coisa engraçada. Disse que me dava um soco, esta parte sub-entendida, que eu morria de fome antes de chegar ao chão. Mais ou menos como os que o Obélix dava aos romanos. Só que mesmo quando o Obélix batia nos romanos eles aterravam no quadradinho seguinte. Mesmo com Krav Magas e wall-balls custa-me a crer que João "cara-de-agarrado" Quadros consiga fazer melhor que o Obélix. Com aquela cara tem de ter sido agarrado, certo?

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A Palhaçada

Nota prévia: considero perfeitamente legítima a criação de um governo formado por um partido minoritário, desde que tenha o necessário apoio na Assembleia da República que garanta a legislatura. Como já escrevi, as interpretações das intenções do "eleitorado" são abusivas e, na minha opinião, qualquer resultado que não seja uma maioria absoluta pode ser interpretado de múltiplas maneiras, tipicamente de acordo com as preferências partidárias. As regras da nossa democracia permitem-no e não é uma solução inédita na União Europeia. Para além disso tinha alguma curiosidade em saber como seria um governo com partidos verdadeiramente de esquerda, embora também seja verdade que não é isso que está neste momento em cima da mesa. Dito isto...

Em primeiro lugar há que reconhecer que me enganei redondamente. Ao contrário do que eu tinha escrito, Costa não estava a utilizar a oferta do BE e da CDU para forçar a PaF a negociar. É evidente que Costa nunca teve qualquer intenção de negociar com Passos Coelho. Em vez disso preferiu colocar-se na situação em que podia ter colocado a PaF ao não ser capaz de garantir um acordo de legislatura com as três forças à sua esquerda. Confesso que não li os acordos, o meu interesse por esta matéria é limitado. Mas parece ser opinião generalizada que os três acordos assinados garantem pouco mais que um ano de legislatura, A partir daí vai ser como BE e PCP quiserem. Se quiserem mandar o Governo abaixo é quase garantido que o conseguem e os acordos não o proíbem. O PS vai andar a toque de caixa, dançando ao ritmo dos seus dois viabilizantes, sendo que cada um vai tocar a sua música o que levará Costa a uma coreografia esquizofrénica para manter o Governo de pé ao longo da legislatura. É verdade que a dança moderna permite movimentos no chão e até bastante acrobáticos. Porventura Costa brindará o Povo Português com alguns movimentos coreográficos mais ousados. Para mim tenho por certo que o futuro Governo PS respaldado por BE, PCP e Verdes, não durará mais do que ano e meio. E daqui a ano e meio teremos maioria absoluta do PSD com CDS, esperemos que com uma sigla conjunta menos idiota do que PaF, porque esta jogada de Costa, sendo legítima do ponto de vista das regras da nossa democracia, é, sem margem para dúvida, uma irresponsabilidade que levanta sérias dúvidas sobre as intenções do Secretário Geral do PS que parece estar mais preocupado em salvar o seu traseiro político do que com a estabilidade governativa  e como futuro do país.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Burguer de Caranguejo do Prego da Peixaria

A semana passada fui ao Prego da Peixaria do Príncipe Real à hora do almoço com a minha mulher e experimentei um prato espectacular que deve ser bastante recente no menu desta casa: o Burguer de Caranguejo. Fiquei extasiado! É uma cena do outro mundo. É demasiado bom para descrever, mas vou fazer um esforço. Vem em pão de hambúrguer com camarinha, que conforme explica a New in Town, é "um camarão pequeno que é desidratado e colocado por cima do pão antes de ir ao forno", vem com um molho não sei de quê e com um tipo de caranguejo que eu desconhecia que existia: caranguejo de casca mole. A verdade é que é excepcionalmente bom. O nosso erro foi ter comido a meias e ter começado pelo Burguer de Caranguejo em vez de começar pelo de Bacalhau. Nada de confusões, o Burguer de Bacalhau é uma oferta divinal mas tem um sabor consideravelmente menos efusivo que o do de Caranguejo. Digamos que o Burguer de Bacalhau é sublime mas subtil. Já o de Caranguejo é sublime, o oposto de subtil e estimulante. Não se consegue parar de mastigar. Se quiser ter uma refeição variada e em crescendo, assim à laia de preliminares seguidos de violento orgasmo, aconselho a começar pela metade do Burguer de Bacalhau e continuar com a metade do Burguer de Caranguejo. Divinal!

Nota: ao que parece este hambúrguer do mar só existe na loja do Príncipe Real.

domingo, 18 de outubro de 2015

O Eleitorado - Uma visão imbecil do sistema democrático

Às 3:03 da manhã do dia 4 de Outubro, todos os portugueses maiores de idade falam em uníssono, como que controlados por uma força superior que os usasse para projectar os seus pensamentosSão o mítico e muito debatido Eleitorado. Apesar de constituído por milhões de indivíduos, o eleitorado comporta-se como uma amálgama controlada por telepatia como se de marionetas se tratassem. Existe um propósito superior no voto do eleitorado que deve ser interpretado de forma correcta para que o Governo tenha a forma pretendida por… pela referida força superiorChamemos-lhe a Mística Força Eleitoral (MFE)Tal como controla o eleitorado, a MFE controla também os não eleitores. Enquanto decorre o processo de alinhamento do eleitorado, os não eleitores encontram-se completamente alheios ao que se passa, estando também eles sujeitos a um estado de transe que os impede de se aperceberem do que se passa. Enquanto os eleitores falam, os não-eleitores não falam nem escutam. Eleitores e não eleitores ficam todos como que repentinamente congelados. Quem se encontrava deitado, deitado ficou. Quem se encontrava em movimento, ficou repentinamente estático, apoiado ou em pleno ar, porque quando o eleitorado se alinha, até as Leis da Física são suspensas. Heis o que diz o Eleitorado num coro de tal maneira sincronizado que se as Leis da Física não tivessem sido suspensas seria possível caminhar pelas ruas de Portugal ouvindo o discurso de forma contínua sem que o volume do som variasse sequer.


“Somos o Eleitorado. Como acontece antes de todas as eleições estamos reunidos para acordar o resultado das eleições. Nas Legislativas de 2015 vamos dar uma maioria relativa à coligação PSD/CDS mas daremos uma maioria absoluta aos partidos de esquerda.”


Seria de esperar que, com poderes absolutos ainda que temporários, (a MFE apenas se manifesta às 3:03 dos dias de eleições), a MFE tomasse posições eleitorais completa e absolutamente isentas de ambiguidade. Afinal, na sua temporária omnisciência, a MFE conhece todos os mecanismos que levam ao desenho da composição do Governo da República Portuguesa. Mas os desígnios da MFE são insondáveis. Apenas os analistas políticos têm uma remota possibilidade de entrever o objectivo final da MFE.


Ora vamos lá a ver! O “Eleitorado” não quer coisa nenhuma porque o Eleitorado enquanto organismo singular com uma vontade única não existe. O Manel há-de querer um Governo PaF e que o PS amoche, o Jaquim há-de querer que o PS governe com a bênção e pouca conversa do BE e da CDU, a Ariana gostava imenso que o PaN governasse apenas com o apoio de todos os animaizinhos e plantinhas de Portugal e outros existirão que, tendo votado em branco, num partido ou apenas desenhado um Zé Bastos no boletim de voto, querem mesmo é que não os chateiem. O sistema eleitoral português não está feito para interpretar a vontade de nenhuma entidade mítica. Sem entrar em grandes detalhes que também não conheço a fundo, é composto por seis fases distintas:


1. Os eleitores votam, elegendo os deputados dos diferentes partidos;
2. Os líderes partidários conversam e, como mais ou menos apoio do Presidente da República (PR), chegam a um acordo;
3. O PR propõe uma constituição de Governo à Assembleia da República;
4. Os deputados votam a proposta e esta ou passa ou não passa;
5. Repetir os passos 2 a 4 até se chegar a uma proposta  que seja aceite por uma maioria simples;
6. Constituir o Governo.

As regras são estas. Andar para aí a dizer que é preciso saber interpretar a vontade dos eleitores é uma completa idiotice. O sistema não funciona assim e existem tantas interpretações como opiniões. O que é certo é que existem regras. Dizem que estão na Constituição ou o camandro. Desde que estas sejam cumpridas, qualquer resultado final é válido. O resto são balelas! E uma coisa é certa, no fim haverá sempre alguém insatisfeito e poderá até acontecer que ninguém fique satisfeito. Mas é o sistema e só temos que o seguir. Quem não gostar deste, que proponha outro, reúna 2/3 dos votos dos deputados e altere a Constituição.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Condições de governabilidade

Com os resultados das Legislativas de 2015 e com um Governo ainda por empossar, os olhos viram-se todos para o PS que é de facto que tem o poder de decidir qual será a constituição do próximo Governo da República Portuguesa. As opções são claras:
1. Viabilizar um Governo minoritário do PaF, ou
2. Recusar essa opção e propor um Governo minoritário do PS, que seria viabilizado por BE e CDU.

É evidente que o PS prefere viabilizar a opção PaF, uma vez que isso lhe dá o poder para obrigar a coligação a negociar e para assumir o papel de decisor relativamente ao que passa ou deixa de passar na Assembleia da República. Curiosamente, a solução alternativa, a de não viabilizar um Governo da Coligação e assumir o Governo com o assentimento dos dois países de esquerda, colocaria o PS numa situação muito mais confortável que a da PaF. É expectável que o BE e a CDU votem contra todas as iniciativas do Governo que tenham algum significado. Portanto estas só passarão com o voto favorável ou a abstenção do PS. Já se o PS fosse constituído Governo, teria sempre a opção de negociar à esquerda ou à direita, conforme a conveniência do momento. Mas não me parece que o PS se queira pôr nas mãos do BE e da CDU e ser obrigado a governar mais à esquerda do que gostaria.

sábado, 26 de setembro de 2015

Uns pipis do c...

Fiz umas moelas com corações que ficaram do camandro. A sério, ficaram mesmo muito bons, senti-me orgulhoso e deliciado. A receita de base pode ser encontrada neste filme no YouTube. Já dei o meu "gosto", a senhora merece, explica tudo muito bem. As únicas alterações que fiz foram as seguintes:
- Em vez de cozer as moelas só em água acrescentei um caldo de galinha. Depois usei o caldo resultante da cozedura ao refugado;
- Usei tomate pelado em lata em vez de tomates frescos;
- Juntei os corações crus ao refugado ao mesmo tempo que as moelas cozidas;
- Em vez de piri-piri pus pimenta cayene e tabasco verde;
- Não tinha cominhos em pó, por isso esmaguei sementes de cominhos no almofariz;
- Não juntei maizena, que de qualquer maneira era opcional. Não me pareceu que acrescentasse alguma coisa.

A acompanhar fiz uma salada de cogumelos castanhos temperada com sal, azeite, vinagre, vinagre balsâmico, alho em pó e tabasco verde. Ficou espectacular!

domingo, 16 de agosto de 2015

So the guy is stupid, do we have to fire him?

I'm getting the impression that BBC may be overreacting to DJ David Dyke's comments on public breastfeeding. The guy is obviously stupid. You really don't have to go much further then his statement that "breastfeeding is unnatural". How stupid can anyone be? Last time I heard humans were still mammals. Sure, it would be wonderful if we could start growing out of eggs and feed on raw grain instead of sucking milk from female breasts in our early infancies... Actually, scratch that, I kind of like the idea that we can benefit from mamma's nutrient and antibody rich milk. Seems like a very clever way of improving little humans' survivability. So unnatural it definitely is not. Now, granted the guy is a stupid ignorant slob, probably either excessively prudish or shamelessly hypocrite, but does he really have to be sacked? I don't know the guy, maybe his other programs have the same level of content and, if that is the case, I would say he is not the 'BBC material' and he should be sacked because it is an embarrassment for a media company with the history 92 years old BBC has, a beacon of quality, to have such a low quality, ignorant professional hosting one of their programs. But if the guy usually produces at a higher standard and he slipped this once, maybe he could get away with a slap in the wrist. Maybe he just made a poor choice of topic and he will do better next time. After all, he did apologize.

sábado, 1 de agosto de 2015

Não sei o que foi mas arrependo-me

43 anos, o joelho direito já foi operado e o esquerdo está como o direito nunca esteve. Não sei o que foi que fiz até agora para ter rebentado com os joelhos em pouco mais de quarenta anos, mas estou clara e inequivocamente arrependido. Nunca a expressão "gigante com pés de barro" fez tanto sentido como faz agora. Em termos desportivos ainda podia fazer muita coisa mas não faço porque os joelhos não deixam. Que merda de cena mais mal enjorcada. E ainda querem os católicos convencer o resto do pagode de que deus fez o homem à sua imagem. Se fez tenho pena dele. Ainda por cima com aquela cena de ser omnipresente deve ser o cabo dos trabalhos ter de estar em todo o lado com o menisco sempre a ficar entalado de cada vez que estica a perna com o ângulo errado. Em setembro vou fazer no esquerdo o que fiz no direito. Mas já não vou cair na asneira de voltar a correr. A partir de agora é só BTT que não faz mal aos joelhos. Que merda!


domingo, 7 de junho de 2015

Tópico interessante mas não infinito

´All About My Vagina

Ao ler entradas minhas antigas neste blogue encontrei uma que falava do blogue All About my Pachacha... perdão, Vagina. Como já não ia lá há que anos resolvi dar uma saltada para ver como iam as modas. Fiquei surpreendido ao verificar que a escritora tinha esgotado o tema. Aparentemente a imaginação faleceu em Fevereiro de 2008, o que é uma pena para quem gosta do tema, mas por outro lado também traz alguma esperança porque fica claro que o esforço necessário para dominar o tema é finito.

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