Uma confusão pegada
A questão dos paradoxos temporais gera tanta confusão que, invariavelmente, os filmes que os têm como tema batem sempre na trave. Vamos olhar para o exemplo do filme ["Under the Shadow of the Moon"](https://www.imdb.com/title/tt8110640/) de 2019. Quando digo que vamos olhar para o exemplo desse filme quero dizer que vou falar da história, pelo que se quiserem ver o filme talvez seja melhor interromperem a leitura deste texto e voltarem depois de terem visto o filme. Neste filme, um agente da polícia que virá a ser promovido a detective, depara-se com um conjunto de homicídios inexplicáveis. Dão-se todos à mesma hora, em zonas diferentes da cidade de Filadélfia, e através de um método desconhecido: três orifícios na nuca resultam em hemorragia massiva e na liquefação do cérebro, o que, como se poderia suspeitar, leva a morte quase instantânea. Há um pormenor interessante e que faz sentido (enfim, vamos aceitar que sim) e que é que a responsável pelos homicídios se desloca para trás no tempo de nove em nove anos. Explicando melhor, a primeira viagem no tempo é para o ano de 2006, depois para 1997 e, finalmente, 1988. Isso contrasta com a nossa visão da realidade que é a de quem avança no tempo. Vemos os eventos a darem-se em 1988, depois 1997 e finalmente 2006. Isto faz com que ela saiba coisas sobre o passado, tendo vindo do futuro, mas também com que saiba coisas que são especificamente do passado dela adquirido durante as suas interacções durante as viagens temporais e que virão a ser do futuro do detective. Esta é a parte que está bem pensada. Tudo o resto é estúpido, a começar pelo método de homicídio que é perfeitamente desnecessário. Para quê utilizar um isótopo exótico que pode ser activado no futuro levando à liquefação do cérebro das vítimas, quando é necessário utilizar força bruta para o injectar? Como é que algumas das vítimas morrem em situações do dia-a-dia sem qualquer aparente interacção com a assassina mas num dos casos a vítima é atacada no meio de uma discoteca à vista de toda a gente quando lhe é injectado o tal isótopo? Se o detective do futuro sabia que ia matar a assassina em 1988, que veio a descobrir em 2006 ser sua neta, por que carga de água insistiria com ela no futuro para aceitar a missão? A determinada altura e assassina diz que a viagem no tempo só pode ser feita numa direcção e que só pode voltar quando terminar a sua missão. Então em que ficamos? É só numa direcção ou não? Enfim, nada faz sentido.
Perspectivas Sobre as Viagens no Tempo
Como é típico nestas histórias, os assassínios têm como objectivo alterar o futuro eliminando pessoas no passado. Existem duas perspectivas sobre os efeitos das viagens no tempo. A primeira, talvez mais conhecida, é também a mais linear. Voltando atrás no tempo, qualquer alteração feita no passado terá um impacto imprevisível no futuro. Quando o viajante temporal regressasse ao seu período temporal original veria a realidade que conhecia alterada. Mas esta perspectiva tem o problema de poder levar a paradoxos temporais. Esse paradoxo pode ser extremo, por exemplo, fulano anda para trás no tempo, mata o seu avô, o que leva a que um dos seus pais não viesse a nascer, logo fulano nunca poderia ter viajado no tempo. Seria uma realidade temporal que reiniciaria a si própria. Uma versão mais leve desse paradoxo seria uma em que, atingindo o seu objectivo, seria eliminada a razão que teria levado à viagem no tempo, logo a viagem no tempo não viria a ter lugar, o que reporia a situação que levaria à viagem no tempo e por aí fora. A linha temporal comportar-se-ia como uma mola.
A segunda perspectiva é a das realidades alternativas. Segundo esta teoria, qualquer viagem no tempo levaria à criação de uma linha temporal alternativa e paralela à original. Fulano anda para trás no tempo e mal lá chega e perturba uma molécula que seja, cria uma linha temporal alternativa. Nesta linha temporal até poderá conseguir os resultados pretendidos. Por exemplo, a execução de Hitler em criança poderia não impedir uma guerra da Alemanha com os seus vizinhos, mas talvez não levasse à eliminação de seis milhões de judeus, testemunhas de Jeová, ciganos, homossexuais e pessoas com deficiências. Mas isso só aconteceria nessa linha temporal. Na linha temporal original, todos os factos históricos que conhecemos aconteceriam novamente. Acontece que já não seria possível voltar à linha temporal original. Dessa forma, quando fulano regressasse para o seu período histórico encontraria uma realidade diferente da que conhecia, mas saberia que a realidade original onde decorreu o Holocausto estaria a decorrer em paralelo. Sendo assim, se não é possível impedir a História de acontecer, qual o sentido de viajar no tempo? Esta teoria poderia ainda gerar outra situação complexa para o viajante temporal. Assumindo que as alterações à História não teriam impacto na sua árvore genealógica, quando voltasse ao seu período temporal já existiria outro fulano idêntico. Ou seja, a sua vida já estaria a ser vivida por outro de si mesmo. Uma melhor opção seria não voltar para o futuro e aproveitar para ver a realidade alternativa a acontecer. Potencialmente tirar partido dos conhecimentos adquiridos no futuro para construir uma vida agradável. Mas sabendo que seria para sempre um deslocado e que factos específicos dificilmente se voltariam a repetir. Por exemplo, será que Bill Gates criaria a Microsoft? Ou se a criasse, será que valeria a pena investir em acções dessa empresa?
Espaço-Tempo, Meus Caros
É claro que existe um aspecto das viagens temporais do qual todas (mas mesmo todas!) as histórias fogem como da peste. É que as viagens no tempo do ponto de coordenadas espaciais (x, y, z) para as mesmas coordenadas seria impossível. Ou melhor, assumindo que as viagens no tempo fossem possíveis, se uma pessoa se deslocasse para o mesmo ponto no espaço teria uma probabilidade quase absoluta de aparecer em pleno espaço sideral. Isto porque a Terra, o sistema solar, a Via Láctea e por aí fora se deslocam continuamente pelo espaço. Mesmo se considerássemos que a Terra percorre exactamente a mesma órbita à volta do Sol ano após ano como se andasse em carris, o próprio sistema solar orbita o centro da Via Láctea, sendo que um ano do sistema solar é equivalente a cerca de 225 milhões de anos da Terra. Portanto, não, tal como a mesma água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte, também a Terra nunca estará duas vezes no mesmo ponto de coordenadas espaciais absolutas. Para que uma viagem no tempo fosse viável seria também necessário não só viajar no espaço como também calcular com um grau de precisão elevadíssimo onde estaria ou teria estado a Terra no dia, minuto e segundos de destino. Com um erro mediano o viajante poderia ir terminar a sua viagem no espaço. Com um pequeno erro o viajante poderia acabar como parte integrante de uma montanha ou no meio do oceano.